Uma recepcionista de 18 anos que trabalhou em uma loja comercial em Várzea Grande conseguiu na Justiça a rescisão indireta do contrato de trabalho, após comprovar que sofreu assédio moral e sexual por parte do dono do estabelecimento. A decisão, dada pela juíza Juliana Veloso, também determinou o pagamento de indenização por dano moral no valor de R$25 mil.
A jovem foi contratada em fevereiro do ano passado, iniciando sua trajetória no mercado de trabalho. Desde os primeiros meses, passou por situações constrangedoras, como ser chamada pelo patrão por apelidos de cunho sexual, entre eles “bebê”, “cheirosa” e “gostosa”, e ser alvo de insistentes convites para sair.
Pouco antes de completar um mês no emprego, foi surpreendida pelo empregador que entrou na recepção sem camisa, inclinou-se sobre a mesa e dirigiu uma série de comentários obscenos para ela e outra colega. No mês seguinte, em um novo episódio de assédio, ele chamou a recepcionista para sua sala, a abraçou contra sua vontade e tentou beijá-la no pescoço. Abalada, a trabalhadora ficou quatro dias sem comparecer ao trabalho, mas disse que acabou retornando por precisar do emprego.
A situação se tornou insustentável quando a única colega do setor anunciou que deixaria a empresa. Receosa de ficar sozinha com o patrão, a jovem procurou a Justiça do Trabalho e pediu a rescisão indireta do contrato.
O empregador negou as acusações, alegando que tinha o costume de chamar as funcionárias por apelidos e que isso não configura crime. Ele admitiu ter usado o termo “cheirosa”, mas disse se tratar apenas de um elogio.
Ao julgar o caso, a juíza Juliana Veloso concluiu que as provas demonstram que a conduta do empregador não era adequada ao meio ambiente de trabalho. Uma testemunha confirmou o episódio de assédio na recepção, detalhando as falas do ex-empregador, todas de cunho sexual. Vídeo apresentado à Justiça confirmou que a trabalhadora foi chamada e entrou na sala do empregador no dia e horário em que relatou ter sido assediada.
A ex-colega da recepção afirmou que encontrou a recepcionista chorando ao voltar do almoço e que, dias depois, o patrão confessou a ela que havia abraçado a jovem porque ela teria lhe dado “liberdade”. O empregador ainda pediu para a testemunha apagar os vídeos gravados na sala dele.
Conforme lembrou a juíza, a prática de chamar funcionários por apelidos não configura crime, mas pode ter reflexos na esfera trabalhista quando caracteriza tratamento desrespeitoso ou assédio.
A juíza destacou que, embora o depoimento pessoal da parte, em regra, não possa beneficiá-la, conforme as normas processuais, em casos de assédio sexual a palavra da vítima assume especial relevância, já que esses atos costumam ocorrer longe de outras pessoas. “Isso ocorre porque esse tipo de conduta geralmente se dá em contextos sigilosos, sem a presença de testemunhas diretas, tornando o relato da vítima um elemento essencial para a formação do convencimento judicial”, observou a magistrada.
O depoimento da jovem, somado aos testemunhos e às demais provas, foi determinante para a decisão. A juíza também citou legislações e protocolos que protegem vítimas de violência e assédio no ambiente de trabalho, incluindo a Convenção 190 da OIT, a Convenção de Belém do Pará e o Protocolo do CNJ para Julgamento com Perspectiva de Gênero.
A decisão ressaltou que, em relações de trabalho subordinadas, especialmente quando o assediador é o próprio empregador, a vítima pode temer represálias e perder seu sustento. No caso, além disso, recepcionista, por ser jovem e inexperiente no mercado de trabalho, estava em uma posição de maior vulnerabilidade ainda. “A conduta da ré não apenas viola a dignidade da autora, mas também compromete seu desenvolvimento profissional e pessoal, deixando marcas que podem perdurar por toda a sua vida laboral”, concluiu a juíza.
Condenação
Com a decisão, a Justiça do Trabalho reconheceu a rescisão indireta do contrato da jovem, condenando a empresa a pagar todas as verbas rescisórias, incluindo aviso prévio, saldo de salário, 13º salário, férias proporcionais e FGTS com multa de 40%.
O empregador também terá de pagar R$ 25 mil pelo dano moral. A magistrada levou em conta a gravidade da ofensa e a vulnerabilidade da vítima. “A ofensa foi de natureza grave, o que pode ensejar o pagamento de até 20 vezes o último salário da parte ofendida”, ressaltou.
A juíza também determinou a expedição de ofício ao Ministério Público Estadual para que sejam tomadas providências quanto à responsabilidade penal do empregador, uma vez que o assédio sexual está previsto como crime no Código Penal.